segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
primeiro em conversas familiares
Uma deformação genética que ninguém conhecia deixou na altura do seu nascimento a comunidade científica perplexa. Ao contrário do esperado, o que teria sido um grande alívio, a mutação não lhe deformou o corpo, mas deixou-o para sempre com a última palavra.
Como numa pessoa especial, com algum tipo de super-poder, a doença só começou a manifestar-se na adolescência. Recortava então dos livros a última palavra, um pequeno rectângulo de papel que tomava como se fosse uma hóstia, colocando-a gentilmente na ponta da língua e depositando-a com muito cuidado no céu da boca, não lhe mexendo mais e deixando-a colar-se ao corpo, para, naturalmente, ser absorvida.
Talvez estas coisas não passassem de tontarias da juventude. O verdadeiro problema surgiu nos anos seguintes. Primeiro em conversas familiares, depois, socialmente, com os amigos, e por fim no seu local de trabalho, quando se tornou evidente que já não podia mais ficar sem a última palavra. Naturalmente não fazia de propósito, embora não pudesse evitá-lo, apesar dos grandes constrangimentos que isto lhe trazia.
Com o tempo a condição agravou-se, e, apesar de ser ainda um homem relativamente novo, um homem com bom aspecto, poder-se-à dizer, agora, com toda a certeza, que morrerá sozinho. Não pode deixar de sentir-se um manequim plastificado, com rugas plastificadas, observado com curiosidade. Como é evidente só um louco chegaria a falar-lhe, pois, já se sabe, fica sempre com a última palavra. E claro, as pessoas acham isso aborrecido.
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aborrecido.
ResponderEliminarE triste. Profundamente triste.
ResponderEliminartriste.
Eliminarprofundamente triste.
ResponderEliminaraborrecido
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